ESPAÇO

por Luis Fernando Veríssimo*
Já somos seis bilhões, não contando os milhões que
nasceram desde o começo desta frase.
Se fosse um planeta bem administrado, isso não assustaria
tanto. Mas é, além de tudo, um lugar mal frequentado. Temos a fertilidade de
coelhos e o caráter de chacais, que, como se sabe, são animais sem qualquer
espírito de solidariedade.
As megacidades, que um dia foram símbolos da felicidade
bem distribuída que a ciência e a técnica nos trariam — um helicóptero em cada
garagem e caloria sintética para todos, segundo as projeções futuristas de anos
atrás — se transformaram em representações da injustiça sem remédio, cidadelas
de privilégio cercadas de miséria, uma réplica exata do mundo feudal, só que
com monóxido de carbono.
Nosso futuro é a aglomeração urbana, e as sociedades se
dividem entre as que se preparam — conscientemente ou não — para um mundo
desigual e apertado e as que confiam que as cidadelas resistirão às hordas sem
espaço.
Os jornais ficaram mais estreitos para economizar papel,
mas também porque diminui a área para expansão dos nossos cotovelos. Chegaremos
ao tabloide radical, duas ou três colunas magras onde tudo terá que ser dito
com concisão desesperada. Adeus advérbios de modo e frases longas, adeus
frivolidades e divagações superficiais como esta.
A tendência de tudo feito pelo homem é para a diminuição
— dos telefones e computadores portáteis aos assentos na classe econômica. O
próprio ser humano trata de perder volume, não por razões estéticas ou de
saúde, mas para poder caber no mundo.
No Japão, onde muita gente convive há anos com pouco
lugar, o espaço é sagrado. Surpreende a extensão dos jardins do Palácio
Imperial no centro de Tóquio, uma cidade onde nem milionário costuma ter mais
de dois quartos, o que dirá um quintal. É que o espaço é a suprema deferência
japonesa. O imperador sacralizado é ele e sua imensa circunstância.
Já nos Estados Unidos, reverencia-se o espaço com o
desperdício. Para entender os americanos, você precisa entender a sua
classificação de camas de acordo com o tamanho: queen size, tamanho rainha,
king size, para reis e, era inevitável, emperor size, do tamanho de jardins
imperiais. É o espaço como suprema ostentação, pois — a não ser para orgias e
piqueniques — nada é mais supérfluo do que espaço sobrando numa cama,
exatamente o lugar onde não se vai a lugar algum.
Os americanos ainda não se deram conta de que, quando
chegar o dia em que haverá chineses embaixo de todas as camas do mundo, quanto
maior a cama, mais chineses.
(*) Luis Fernando Veríssimo é escritor
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